Já faz um mês que estou na Vinícola Boschendal, apoiando a visão dos proprietários de uma fazenda e hotel regenerativos que possam servir de inspiração para pessoas de todo o mundo sobre as possibilidades de regenerar a terra e as pessoas, criando ao mesmo tempo um negócio sustentável.


Uma das principais áreas que pretendemos abordar é a conservação do Fynbos local, um ecossistema único que existe apenas na região sul do Cabo. É tão singular em seu valor botânico e biodiversidade que o Fynbos do Cabo é considerado um dos seis reinos vegetais do planeta. O Fynbos do Cabo é de longe o menor dos seis em área, mas também é o mais rico em diversidade de plantas por metro quadrado. Abriga mais de 9.000 espécies de plantas diferentes e, embora cubra menos de 61% do continente africano, abriga metade das espécies vegetais do continente, muitas das quais plantas medicinais que constituíam uma farmácia viva para os povos que habitavam esta região séculos atrás.


Contemplar a beleza e admirar toda a exuberância do Fynbos exige atenção e tempo. Ele não possui as grandes árvores das florestas densas, e os animais que habitam esse ecossistema são, em sua grande maioria, pequenos insetos e pássaros. A maior parte da rica biodiversidade se encontra sob sua vegetação arbustiva. O milagre da biodiversidade do Fynbos prospera em solos arenosos muito pobres. Como a maior parte das áreas florestais da região do Cabo foi convertida em áreas agrícolas, o Fynbos próximo à costa e nas bordas das montanhas conseguiu sobreviver principalmente porque os solos são tão pobres que não são adequados para a agricultura. O homem encontrou uma maneira de perturbar esse precioso ecossistema em meados do século XIX, introduzindo pinheiros invasores da Austrália e da Europa, que proliferaram e cresceram nas encostas das montanhas, absorvendo grande parte da preciosa água que o Fynbos costumava obter das nascentes e que irrigava os campos e florestas nos vales mais baixos. Esse é o principal desafio que Boschendal está superando com o apoio técnico de ONGs locais e iniciativas governamentais, mas sem apoio financeiro. Aqui na África do Sul, isso é chamado de "limpeza de espécies invasoras", a tarefa trabalhosa de remover as espécies invasoras e permitir que o Fynbos se regenere (vídeo abaixo). Em um mundo que ainda vê o carbono como o único valor dos habitats naturais, financiar o árduo trabalho de remover grandes pinheiros invasores e manter o solo limpo para que os pioneiros do Fynbos se instalem subverte a lógica comum de um projeto de restauração financiado por carbono.
No último fim de semana, tive a oportunidade de mergulhar mais fundo neste belo ecossistema, passando alguns dias na reserva natural de Grootbos. Lá, uma área de quatro mil hectares, composta principalmente por fynbos, é administrada e protegida com o apoio financeiro do setor de hotelaria e turismo de alto padrão. Funciona como uma reserva de caça privada, com a proposta única de que o safári ali realizado não inclui avistamentos de grandes animais, mas sim a magnificência da flora e da avifauna, com suas características únicas. Para atrair hóspedes do mundo todo para um hotel de classe mundial e essa experiência de safári singular, Grootbos transforma o fynbos na principal atração, desde safáris botânicos até visitas guiadas à galeria de arte, onde belos retratos da fauna e flora do fynbos foram encomendados a artistas locais, proporcionando aos hóspedes uma experiência vibrante de toda a riqueza deste ecossistema. A experiência sensorial se completa com uma degustação de chás de ervas do fynbos e o melhor mel que já provei, produzido em três variedades bem diferentes.

Em Grootbos, o desafio da conservação caminha lado a lado com o manejo do fogo. Outro aspecto singular deste ecossistema é sua relação simbiótica com o fogo. O fogo no fynbos, em sua ocorrência natural, não significa destruição, mas sim regeneração. A vegetação arbustiva se desenvolve ao longo de uma década em uma sucessão de espécies até se tornar tão densa e impenetrável que as plantas lentamente entram em dormência e param de produzir novas sementes. Ela aguarda uma faísca no verão seco para transformar a maior parte da vegetação em cinzas, permitindo que milhões de sementes dormentes germinem novamente e que todo o ecossistema se renove e reinicie o ciclo de sucessão vegetal. Tudo isso em solos arenosos muito pobres, que sustentam um grupo muito diverso de animais, de insetos a aves e mamíferos, a maioria deles pequenos e adaptados para encontrar nutrientes nesta complexa mini-selva de plantas únicas. Para conservar e proteger a reserva privada, enquanto mantém a operação turística, parte do trabalho realizado pela Fundação Grootbos consiste em realizar queimadas controladas. Esta iniciativa é realizada em parceria com os bombeiros locais e promove a revitalização do fynbos através de queimadas controladas que não colocam em risco a comunidade local nem o hotel.


Amy, nossa guia em Grootbos, nos levou a um safári botânico pela região e mostrou a diferença entre as áreas que estão em processo de regeneração após um incêndio e aquelas que estão sendo selecionadas para o manejo controlado do fogo. É possível até sentir a centelha da energia criativa nas novas áreas, que florescem com flores e espécies pioneiras, dando espaço para que animais e pássaros se misturem em suas copas frescas. Já as áreas que passam longos períodos sem incêndios parecem estagnadas e impenetráveis. Tão densas e imersas em sua própria complexidade que não há espaço para o florescimento de nada novo.


Observando a dança dos pássaros cantando e apreciando as flores, penso na minha própria experiência de vida e em muitos amigos que conheci em diferentes partes do mundo. Sou grato por todos os grandes incêndios da minha vida que limparam o velho e deram espaço para que novas sementes dormentes e possibilidades de vida surgissem. Penso em como teria sido minha vida se eu tivesse escapado ileso de todos esses incêndios. Provavelmente estaria na casa dos 40 anos, semelhante àquela densa e impenetrável vegetação de fynbos. Completamente enredado em minhas próprias décadas de experiência de vida, sem espaço para novas sementes e possibilidades. Provavelmente, as pessoas mais interessantes que conheci nesta vida eram mais parecidas com o fynbos. Únicas em sua expressão de vida e ecologia, diversas em modos de ser e inter-relações, crescendo em solo pobre para encontrar sua própria expressão de vida, apenas para serem queimadas novamente e se regenerarem em uma expressão completamente nova para iniciar um novo ciclo.
A flora do Cabo é a rebelde artística do reino vegetal. Tentar reduzi-la a créditos de carbono é como tentar usar dinheiro como métrica para a expressão artística valiosa. Precisamos encontrar outras alternativas para valorizar esse ecossistema único e todos os seus dons.