Por que não damos valor à comida?

Em um momento de crescente urgência climática, tensões geopolíticas e instabilidade de recursos, a questão torna-se impossível de ignorar:

Por que ainda subestimamos a comida?

À medida que a globalização sofre pressão devido às guerras comerciais e às mudanças climáticas, a fragilidade dos nossos sistemas alimentares globais torna-se cada vez mais evidente. Antes consideradas um pano de fundo estável para a vida moderna, as cadeias de abastecimento alimentar revelam agora profundas vulnerabilidades na forma como produzimos, distribuímos e valorizamos o que comemos.

No entanto, apesar de seu papel essencial na sobrevivência, na estabilidade econômica e no desenvolvimento, ainda subestimamos drasticamente os alimentos — e os riscos sistêmicos inerentes aos nossos sistemas alimentares.

Uma desconexão crítica

Por que a alimentação — um recurso fundamental — ainda é tratada como uma questão secundária por formuladores de políticas, investidores e pelo público em geral?

Para provocar uma reflexão mais profunda, vamos explorar isso por meio de uma analogia: a forma como lidamos com os alimentos versus a forma como lidamos com a energia, particularmente no que diz respeito à segurança e ao valor estratégico. Construir sistemas alimentares estáveis e seguros sempre foi fundamental para o desenvolvimento humano — possibilitando nossa transição de tribos nômades para civilizações complexas.

Mas hoje, os sistemas alimentares globais são moldados mais por políticas comerciais e subsídios de curto prazo do que por estratégias de longo prazo para resiliência, equidade e sustentabilidade. Essa abordagem focada em resultados nos expõe a riscos em cascata.

O Brasil como estudo de caso

O Brasil é uma potência agrícola global. É inegável a importância do país nas últimas décadas para evitar a escassez de alimentos e garantir a segurança alimentar mundial. Para se ter uma ideia, a produção de grãos no Brasil cresceu de 47 milhões de toneladas em 1977 para 312 milhões de toneladas atualmente.

Estima-se que hoje o Brasil alimente mais de 1,4 bilhão de pessoas em todo o mundo — principalmente em países com déficits na produção de alimentos — gerando US$ 1,7 trilhão em exportações de alimentos em 2024, em sua maioria produtos de baixo valor agregado.

Mas quando dividimos o valor da exportação pelo número de pessoas alimentadas, chega a apenas US$ $117 por pessoa por ano — ou menos de US$ $10 por mês por pessoa.

Assim, a pergunta permanece: como algo tão essencial pode ter um preço tão baixo?

Porque a nossa economia alimentar global (não apenas no Brasil) tem enormes custos e riscos ocultos a longo prazo: degradação ambiental, desigualdade rural e fragilidade sistêmica. E é construída sobre:

  • monoculturas em larga escala
  • Mão de obra barata em condições precárias
  • Subsídios públicos e incentivos fiscais

 

Esses fatores mascaram a realidade: muitas vezes, utilizamos a terra, o clima e os recursos de forma ineficiente — cultivando produtos agrícolas que não estão alinhados com as vantagens comparativas locais. Grande parte do valor é apropriada pelas indústrias de insumos agrícolas, deixando os agricultores com retornos decrescentes.

E, no fim das contas, às vezes fica mais claro que pode parecer difícil entender que, em vez de simplesmente aumentar a escala para tentar diluir alguns custos fixos e ganhar alguns pontos-base a mais na margem (em um modelo onde, muitas vezes, o retorno é menor que o custo de capital, especialmente se ajustado por todos os subsídios e incentivos fiscais), precisamos repensar:

  • A forma como estamos produzindo
  • O que estamos produzindo
  • O que realmente está consumindo minha margem de lucro?
  • Como posso otimizá-lo?
  • Como posso capturar mais valor na cadeia de valor?
  • Como posso melhorar a percepção dos meus produtos?
  • Como posso tornar meus resultados mais previsíveis e menos arriscados?
  • Como posso ter um negócio mais alinhado com o meu contexto, que possa compartilhar mais criação de valor com todas as partes interessadas e promover o desenvolvimento social de forma abrangente?

 

Um dos sinais mais claros dessa desconexão é a forma como os produtores agrícolas são cada vez mais comparados às indústrias extrativas, negociando nas bolsas de valores com múltiplos de avaliação mais comuns no setor de petróleo ou mineração, e às vezes até abaixo do valor de seus ativos líquidos.

E se tratássemos os alimentos como energia?

Se a agricultura for tratada como uma indústria extrativa, paradoxalmente ainda subestimamos sua importância estratégica.

Consideramos a energia um ativo estratégico:

  • Gerenciamos reservas de petróleo.
  • Acompanhamos as decisões da OPEP.
  • Nos protegemos contra futuras interrupções.
  • Consideramos a segurança energética como segurança nacional.

 

Mas e quanto aos alimentos? Dependemos de mercados abertos — e esperamos o melhor, com o aumento da produção e a resiliência em meio a todos os desafios agravados pelas mudanças climáticas.

Agora imagine:

  • Imagine se o Brasil interrompesse repentinamente as exportações de soja, carne bovina ou aves. O mercado global de alimentos enfrentaria um caos imediato. Os preços disparariam. As cadeias de suprimentos se romperiam.
  • Num momento em que a guerra comercial entre os EUA e a China torna inviável o comércio de produtos agrícolas entre os dois países, imagine o Brasil e a Argentina — dois grandes exportadores de produtos alimentícios básicos — decidindo formar um cartel alimentar, semelhante à OPEP para o petróleo, fixando preços para soja, carne bovina, milho e aves de forma a garantir retornos justos e sustentáveis para os produtores. Tenho quase certeza de que isso afetaria a China muito mais do que as tarifas americanas 245% sobre produtos chineses.
  • Imagine se as interrupções de produção que vimos no café e no cacau se tornassem cada vez mais frequentes em um contexto de mudanças climáticas, e também começassem a afetar commodities essenciais que formam a base das dietas e dos sistemas alimentares, como arroz, soja e trigo.

 

No entanto, não nos preparamos para os choques alimentares com a mesma urgência que dedicamos aos choques energéticos.

Mesmo ao nível do consumidor, a contradição persiste: pagamos mais por combustível de alta octanagem para proteger os motores e aumentar o desempenho, mas lamentamos gastar mais em alimentos regenerativos e ricos em nutrientes que protegem nossa saúde e longevidade.

Um apelo por um renascimento agrícola

O sistema alimentar global está em um momento crucial. Precisamos escolher entre:

  • Continuando por um caminho de extração de curto prazo, priorizando o volume, ou
  • Liderar um renascimento agrícola global centrado em: Resiliência, Criação de valor justo, Sustentabilidade ecológica e Segurança alimentar estratégica.

 

Essa mudança permitiria aos produtores:

  • Construir sistemas alimentares regenerativos e sustentáveis
  • Gerar prosperidade rural duradoura

 

Precisamos parar de tratar os alimentos como uma mercadoria de baixo custo e começar a reconhecê-los como um pilar estratégico e a base do nosso desenvolvimento.

➡️ Foto de uma pastagem agroflorestal em um Luxor Agro Fazenda — promovendo a restauração da paisagem e a mudança sistêmica na produção de gado no Brasil, rumo a um modelo mais regenerativo, resiliente e rentável.