Um estudo científico de 23 anos sobre café e agrofloresta

O experimento de pesquisa de 23 anos liderado pelo professor Elias de Melo Virginio Filho compara seis diferentes projetos agroflorestais com abordagens de manejo variadas, que vão desde métodos orgânicos intensivos até métodos químicos intensivos.

Para finalizar minha jornada de aprendizado na Costa Rica, visitei o CATIE (Centro de Pesquisa Agropecuária Tropical e Ensino Superior). Com uma história de mais de 75 anos, o CATIE é o principal centro de pesquisa e ensino superior em sistemas agropecuários tropicais. O instituto serve como berço de pesquisa e conhecimento para soluções sustentáveis e regenerativas na agricultura, que são cruciais para a sustentabilidade das economias agrícolas da América Latina.

Durante minha visita, tive o privilégio de passar um dia com o Professor Elias de Melo Virginio Filho, que lidera um experimento de pesquisa sobre café com duração de 23 anos. Este experimento compara seis diferentes sistemas agroflorestais com abordagens de manejo variadas, desde métodos orgânicos intensivos até métodos químicos intensivos, incluindo o uso de diferentes espécies arbóreas, bem como a produção totalmente convencional sob luz solar direta.

Experimento com café

Iniciado na década de 1990, este experimento teve como objetivo abordar uma profunda crise que afetava o setor cafeeiro, impactando particularmente os agricultores que enfrentavam a queda acentuada dos preços de mercado e a falência. O professor Elias e sua equipe de cientistas se propuseram a identificar o modelo de agrofloresta mais sustentável e produtivo, equilibrando fatores como sustentabilidade, uso de insumos, produtividade e saúde das plantas. O estudo envolveu a colaboração de um grande grupo de pesquisadores de diversas áreas e 22 universidades, resultando em uma vasta gama de artigos científicos e teses de pesquisa.

O primeiro passo foi selecionar espécies arbóreas comumente utilizadas em sistemas agroflorestais tradicionais da América Central, incluindo árvores de sombra que também fornecem madeira e espécies que fixam nitrogênio no solo. Os resultados da pesquisa são notáveis, desafiando muitos mitos prevalentes na indústria global do café e esclarecendo por que os esforços para produzir café mais sustentável às vezes podem falhar.

Uma descoberta fundamental, de conhecimento comum no mundo científico, mas frequentemente ignorada na indústria, é que os cafeeiros têm predisposição genética para prosperar na presença de árvores que proporcionam sombra, em vez de sob luz solar direta. Isso se aplica não apenas ao café robusta, conhecido por suas características de cultivo à sombra e menor qualidade, mas também ao café arábica, que geralmente é cultivado sob luz solar direta para obter maiores rendimentos. A pesquisa de 23 anos do Professor Elias demonstrou que a produção regenerativa de café não é viável sem a incorporação de outras espécies arbóreas ao sistema. Em contrapartida, a monocultura de café sob luz solar direta, apesar da alta produtividade alcançável com o uso intensivo de insumos químicos, não consegue atingir o equilíbrio do solo e acarreta custos crescentes ao longo do tempo, provando-se, em última análise, insustentável para os produtores de café.

Café Agroflorestal

Outro aspecto significativo do estudo foi a seleção de variedades de café para pesquisa em diferentes sistemas agroflorestais. A equipe concentrou-se principalmente na variedade Caturra, amplamente utilizada, juntamente com microparcelas de novas plantas híbridas selecionadas por sua melhor adaptabilidade climática e resistência a pragas. Embora alguns híbridos tenham apresentado desempenho superior ao da Caturra no experimento, observou-se que a transição da produção química para a orgânica, sem a redução gradual dos insumos químicos e a substituição por alternativas biológicas, mostrou-se um empreendimento dispendioso, frequentemente exigindo intervenções e replantio. Sistemas que empregam um método de transição com redução gradual dos insumos químicos e integração de árvores de sombra que fixam nitrogênio demonstraram produção de café e serviços ecossistêmicos mais estáveis.

Flor de café

Espécies fixadoras de nitrogênio também devem ser manejadas com poda anual de suas copas para incorporar grandes quantidades de nutrientes ao solo, além de melhorar outras propriedades do solo, principalmente sua biologia. Dessa forma, contribui-se tanto com aporte nutricional extra para o café quanto com a recuperação do solo, além de realizar a poda dinâmica de suas copas, permitindo a regulação dos níveis de sombreamento necessários para o café nas estações seca e chuvosa.

O experimento também destacou a importância de práticas regenerativas, como a utilização de espécies adequadas de plantas de cobertura entre as fileiras de café para enriquecer o solo, manter a umidade e fornecer sombreamento sem competir com as plantas de café. No entanto, a descoberta mais significativa veio das propriedades de fixação de nitrogênio de certas espécies arbóreas. Árvores fixadoras de nitrogênio que fornecem nutrientes por meio da biomassa da copa podada desempenham um papel regenerativo no solo. Além disso, ao melhorar a nutrição dos cafeeiros, elas fortalecem sua resposta a pragas e doenças, possibilitando a redução do uso de fertilizantes e pesticidas. Adicionalmente, podem contribuir para a melhoria da qualidade do café. É importante ressaltar que um único grupo de espécies arbóreas não proporciona múltiplos benefícios. Uma boa combinação de espécies, bem como um manejo adequado das árvores, é fundamental para o sucesso.

Culturas de cobertura

Sistemas agroflorestais com alta densidade de árvores, particularmente espécies que competem por luz e nutrientes, podem afetar drasticamente a produtividade do café. Sistemas agroflorestais que combinam adequadamente árvores fixadoras de nitrogênio (com manejo do dossel para incorporar matéria orgânica verde e regular a luminosidade) com boas densidades de espécies florestais permitem uma produção adequada de café, ao mesmo tempo que fornecem serviços ambientais essenciais, como a presença de polinizadores e controladores naturais de pragas, alta captação de carbono, infiltração de água, etc. Com base no que foi aprendido no ensaio de longo prazo com diferentes tipos de poda de Erythrina, pode-se antecipar, particularmente em casos como o do Brasil, que a colheita mecanizada de café pode ser estrategicamente facilitada em cafezais associados a árvores leguminosas, alcançando diversos benefícios para a área cultivada.

Café Agroflorestal

Em relação ao café orgânico, o experimento constatou que as parcelas orgânicas proporcionaram rendimentos estáveis após o processo de transição, especialmente quando integradas a árvores fixadoras de nitrogênio e um ambiente de sombreamento equilibrado. Notavelmente, o experimento forneceu evidências científicas de que os cafeeiros contribuem para o sequestro de carbono e que sistemas agroflorestais equilibrados podem alcançar a neutralidade de carbono, justificando a consideração de créditos de carbono para apoiar iniciativas de cultivo agroflorestal de café.

Concluímos nossa visita com uma breve passagem pela Cafetalera Aquiares, a maior operação cafeeira da Costa Rica, que implementa os sistemas agroflorestais estudados no CATIE. Essa fazenda serve como exemplo de produção regenerativa de café em larga escala, com a bem-sucedida variedade híbrida “Esperanza” simbolizando a esperança de um cultivo resiliente de café em meio aos desafios das mudanças climáticas.

Para concluir, estou ansioso para expandir a colaboração com o Professor Elias em nossa fazenda de café no Brasil. Além disso, pretendo retornar ao CATIE para explorar pesquisas sobre soluções regenerativas para cacau, cana-de-açúcar, produção pecuária e uma infinidade de produtos tropicais, o que poderia catalisar uma mudança transformadora em direção à agricultura regenerativa no Sul Global, impactando significativamente nossas crises climáticas e de biodiversidade.

Para um resumo do experimento com café do CATIE e para saber mais sobre as iniciativas de pesquisa do CATIE, acesse os links fornecidos abaixo.

https://www.catie.ac.cr/en/2022/11/07/agroforesteria-y-agricultura-regenerativa-en-zonas-cafeteras-con-cambio-climatico/